Liberdade, liberdade



Será que a gente consegue ser livre de verdade? Essa pergunta o perturbava há dias. Não foi diferente na noite de sexta-feira, às vésperas do natal, quando foi tocado por uma cena de série em que alunos homenageavam uma professora. A identificação é uma coisa foda. As palavras de uma personagem atingiram em cheio o peito do jovem professor que viu, na emoção dela, suas próprias emoções. A pergunta martelava na cabeça enquanto, preso em casa, à rotina, queria se sentir livre.

Noite de dezembro, cinza lá fora, na cidade cinza, cinza ali dentro, só o pó. A eterna procura, o inexplicável desejo, a iminente ação, a palavra não dita, o sentimento não confesso. A prisão invisível que segura o inexistente. Que porra de sentimento é esse que não acalma nem estoura, que lateja? Esse tempinho sem jeito, nessa cidade toda estranha, que de tão estranha se torna casa, se torna lar, se torna família, ela mesma, dos sem-família, dos voluntariamente sós, daqueles que, estando juntos, estão solitários.

Será que a gente consegue ser livre de verdade? Ontem, ele ouviu da analista que a briga interna que lhe ocorria opunha duas solidões e, para tanto, tentava ganhar a briga a solidão menos dolorosa. Mas que ganhar seria esse? Essa é a questão. Vivendo em descompasso, não se fica satisfeito, não se fica feliz. No entanto, há alternativa? Só uma pérola da sabedoria popular que nos diz: como querer que as coisas mudem se continua-se a fazer a mesma coisa?

Prisões contemporâneas tão antigas quanto nós: as palavras no papel, a mente no corpo. Aqui estamos, mais um dia, mãos ao alto pra voar, pés presos no chão, e o pensamento lá em você, como dizia o poeta. Quanta vida é preciso perder pra fugir da morte? Quantos amanhãs serão usados pra se fazer o que deveria acontecer hoje? E o hábito de sofrer que tanto me diverte, Carlos [Drummond de Andrade]?

Leu uma vez, numa rede social, dessas que tomaram conta da década e que foram onde, talvez, ele passou mais tempo de vida nos últimos dez anos, a frase de Clarice: “Não tenho tempo pra mais nada, ser feliz me consome muito”. E não é que perdeu os últimos dez anos tentando ser feliz? Prisão é prisão. Ser feliz não é tentar, é ser. Numa falsa e satisfatória simetria, Amar não é tentar, é Sentir, e viver. Há lições a serem aprendidas, como bem sabe a cabeça do jovem professor:
1)    Não há tempo, ser feliz deve consumir muito.
2)    Liberdade, ainda que tardia.
3)    Numa guerra de solidões, será que vale mesmo optar pela solidão perene da companhia fria?

Ele se lembra de outra frase de Clarice – ao menos para algo a vida perdida na internet serviu: "Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome".
Imbuído desse desejo, fecha o computador naquela sexta à noite, olha pela janela e sonha com dias melhores, no coração do Brasil.

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