No Rio, em casa
Chegar no Rio é chegar em casa, e a gente sabe como é chegar em casa, porque a gente tem saudade de casa. Passar uma semana fora já deixa a gente com saudade daqueles mergulhos no sofá da sala, de tocar sua música enquanto toma aquele banho esperto, de sentar no chão pra folhear seus livros.
Mas quando eu chego no Rio, tenho essa mesma sensação, com uma saudade agravada por – algumas vezes – meses de distância. E poder entrar num dos ônibus malucos que correm a Avenida Passos em direção à região sul e sentir o velho conhecido frio na barriga todas as benditas vezes em que os motoristas dão aquela freada brusca – o que rola em cada esquina, em cada semáforo, diante dos táxis amarelinhos, sei lá – só isso já é a velha sensação de entrar em casa e largar no canto a bolsa (e a roupa).
Da Zona Norte à Zona Sul, se enfurecer no metrô lotado, pegar um trem da Central, ter plena consciência da desigualdade surreal e criminosa que separa a Zona Sul do subúrbio, ou os bairros nobres da periferia... Conversar com alguém na rua e ouvir a pessoa dizer que é de Inhaúma e você ter consciência de que não conhece um décimo dessa cidade.
Mas essas são todas sensações familiares. Cheguei em casa quando, no Largo da Carioca, desligo os
fones de ouvido e passo ouvindo o sotaque das pessoas, me aproximo daquela banca de jornal que sempre toca o CD de sambas-enredo do ano corrente. Quando corto pra Cinelândia e dou de cara com o Municipal imponente naquela mistura de Brasil com Paris que é a Rio Branco, hoje turbinada para os jogos olímpicos. Seguir até a Praça XV, chegar na Pedra do Sal, na segunda à noite, e ver a roda de samba que rola sem microfone, regada a breja e amor.
O Rio é a fila do trem do corcovado, e a do teleférico do alemão, é conversar com outra pessoa que você encontra numa praça e saber das diferenças nos comandos dos morros. É saber que o morro do macaco tem um comando firmeza e que você vai estar tranquilo na praça sete, no coração da Vila Isabel. Enquanto isso, a galera tenta chegar no Fundão, pruma aula da UFRJ, enquanto uma parcela da galera tá indo pra aula na Urca e você fica se perguntando como alguém consegue estudar com a Praia Vermelha ali, e o Pão de Açucar te convidando pra sentar na mureta e contemplar a baía de Guanabara.
Mas a tarde de sexta, no Rio, tem outra cara. Vão à Tijuca, no fim de tarde de sexta e vejam, como eu vejo, as pessoas saírem do trabalho, ocuparem as mesas postas nas calçadas e beberem com sorriso no rosto suas cervejas enquanto, calmamente, chamam o mais absoluto desconhecido de “meu amor” e te cumprimentam com dois beijinhos no rosto (e me vejam, sempre, passar vergonha por esquecer que no Rio são dois).
Amar o Rio é também acompanhar os cronistas e repórteres do nosso cotidiano, contando as tristes e dolorosas histórias da polícia na Maré, dos tiroteios no Alemão. Andar nas ruas do Rio e ver que o morro e o asfalto – a dicotomia estrutural de uma cidade desigual – convivem de uma forma que é tudo, menos harmoniosa. Amar o Rio é desejar que a cidade fosse outra – no que toca questões de desigualdade –, que as oportunidades fossem outras, que o país fosse diferente.
O Rio só não é nossa casa na hora de ir embora. Nessa hora, quando estamos em casa e saímos pra uma viagem, estamos empolgados com o que vamos encontrar e ver, no caminho que vamos traçar. Sair do Rio é calcular mentalmente quando vamos voltar a pisar novamente o Largo do Estácio, ouvir o samba que nasceu na Gamboa, no Estácio, na Praça Onze, o samba que ecoa na Mangueira, junto com o funk, junto com o forró, junto com o Brasil musical que brota desse canto do mundo à beira do mar. Ir embora é se perguntar “por quê?”, afinal como diria o poeta Noel Rosa: “Ser estrela é bem fácil, sair do Estácio é que é o X do problema”.
Comentários