Sem notícia

Saiu do Butantã sem saber pra onde ia. Aquela noite não tinha sido fácil. Entre cochilos, gritos e ventania, acordou no meio do caos, na cidade de São Paulo. Não suportava mais aquele lugar. Quais seriam as estatísticas de suicídio na maior cidade do hemisfério sul? Uma cidade do tamanho do mundo que não foi projetada para as pessoas que moram nela. Sentia que não cabia ali, mas também não cabia em si. Quantas vezes olhou pros trilhos do metrô que pegava depois e antes de entrar em ônibus cheios que completavam o trajeto do caminho incompleto, mas nunca o levavam de si pra si, mas talvez não coubesse em si, como não cabia naquela cidade.
Sonhava com outros tempos. Acordado olhava em volta: rostos tristes não respondiam ao seu anseio interior, de quem precisa de amor. Todos estavam cansados, muitos nem sabiam disso, mas estavam. Tudo parado na Cidade de São Paulo, trânsito, saúde, amor. Nada parecia funcionar.
No meio da Avenida Paulista teve que correr. As pessoas corriam, barulhos estranhos as perseguiam, a vida de repente era apenas um trocar de passos em alta velocidade, e a vida dependia daquilo. Barulhos próximos, passos apressados, correria, confusão. Se perguntava porque teria saído do Butantã naquela manhã cinza, em que o céu não permitia uma faísca de cor, mínima que fosse. Na verdade, não era um dia diferente de tantos outros. A opressão vinha do trabalho, do ônibus que não passava, do metrô que estava cheio: ao abrirem-se as portas, não havia vida, apenas havia as pessoas que empurravam o corpo inerte para dentro do trem.
Na Paulista, no dia cinza sem cor de céu, tal qual quando as portas do metrô se abriam, também foi empurrado. Em direção à Rua da Consolação. Em direção à Rua Augusta. De volta à Paulista. Seria mais uma daquelas manifestações? Mas, eram 13h, o que se passava naquele lugar. Não se lembrava mais de muita coisa. Lembrava-se de ter acordado no meio do caos na cidade de São Paulo. Onde estava nesse momento?
No chão da Avenida Paulista, um rapaz acordou e estava no caos, às 14h da tarde de um dia cinza. Não sabia como tinha ido parar ali. Sua visão estava embaçada e sentia escorrer um líquido quente na parte de trás da cabeça. Ao tentar erguer a cabeça enquanto as pessoas passavam por ele apressadas e indiferentes, pouco enxergava e desmaiou novamente graças à dor lancinante que sentiu no esforço do movimento.
Acordou na calçada, com a cabeça apoiada no vidro rachado da estação Consolação. Com dor, incapaz de se erguer, buscou o celular que não estava mais no bolso. No chão da cidade de São Paulo, desejou que a morte fosse o fim de tudo e que ela viesse logo. Não cabia mais em si, aquela cidade não lhe dava a mínima e, se levantasse daquela calçada, teria que pegar o metrô cheio e voltar ao Butantã e... não sentia mais nada, não via mais nada, ainda ouvia sirenes, explosões e esses sons ficaram distantes. Ainda sentia que escorria-lhe algo quente, agora um líquido aquecia-lhe a face. Fechou os olhos que não viam mais nada. Lembrou-se do fim. Não estava no trilho, mas estava no chão, encostado na estação de metrô e morria, na Cidade de São Paulo. A notícia não veio pela mídia. Ninguém soube dizer o que houve na Paulista naquele início de tarde cinza. Encontrado por um colega de faculdade, sua família foi avisada que o corpo estava no IML, na Doutor Arnaldo. No Butantã, as pessoas continuavam a entrar no metrô. Dias depois, alguém foi empurrado nos trilhos da Estação Sé.

(...)
As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atire pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.

Adeus.*



Umberto Neto, 24/05/2014.

*Mario de Andrade

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