Nos liberi sumus

Às vezes se espera, chegar é que é difícil. Aquela frase foi dita depois de muito se pensar. Ele não conseguia conter-se, ou já não podia mais. As palavras presas na garganta, dançando no seu cérebro. Não era fácil dizê-lo, mas era preciso. Tão preciso quanto foi dizer, mais de uma vez, aquilo que estava errado. Foi preciso também repensar. Agora, o pensamento atribuía a devida parcela da culpa – não seria toda ela – a ele, que disse a fatídica frase, necessária frase.
Lembrou-se do conto lido, certa vez, numa temporada na Europa. Kafka escreveu uma história que tratava de um mensageiro cuja incumbência dada pelo imperador era levar uma mensagem, que, no entanto, nunca chegava ao seu destino, por mais que o mensageiro ultrapassasse muros, mais muros ele encontrava na sua frente.
Talvez a frase, afinal dita, não atingisse o seu destino. Talvez a verdadeira mensagem nunca chegasse ao destino, ou a verdadeira frase nunca fosse proferida. Tal qual o segredo dos suicidas, considerados loucos, a mensagem se perderia com o mensageiro... sem que ele próprio, muitas vezes, como os suicidas – novamente – soubessem essa verdade.
Não sabia o que dizer, não sabia o que sentia. Uma coisa era certa: não estava bem. E esse mal-estar comum em tudo, em todos. Esse trânsito, esse calor, esse cinza, esse silêncio sonoro sem cessar. Livre e ligeiro, condenado à liberdade. Podia falar o que queria, mas não sabia. Ele guardou pra si, sem saber o que precisava dizer o que queria dizer, o que podia dizer.
Num mundo onde tudo são possibilidades, a escolha é dura. Escolheu dizer o que achava que o agoniava, e disse. Mas o mágico não aconteceu. Não havia espaço para isso. Simplesmente a agonia não o deixou. Essa agonia não o deixa mais.
Seguiu por aí repetindo a mesma sentença, por muitos caminhos que tinha à escolha. Escolha difícil, dura escolha. Escolher quem ser nestes tempos duros e sombrios de liberdade, de luz, de cor. Era preciso mais que uma frase, era preciso mais que um “Pode ir, vá” para que a luz cessasse, a cor esmaecesse e a vida por fim encerrasse. Sabia que ao dizer aquilo, um pouco de tudo ia junto. Aquele tudo que estava ali, paciente, pertinente, intermitente. Ali. Precisava daquilo? Não, provavelmente, não precisava dizê-lo. Mas calado estava diferente?
A mensagem nunca chega, a luz nunca apaga, a liberdade está na sua cara, a cor está aí. E, no entanto a vida é crua, fria e cinza e tem o som do trânsito, o som da cidade. Os labirintos estão em toda a parte e os caminhos da liberdade não nos conduzem a nenhum lugar. A mensagem do imperador atravessaria séculos inteiros e estacionaria nesse nenhum lugar. Onde qualquer um pode ir, mas ninguém consegue chegar. “Então vá”.

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