Em tempo


Em tempo


As ruas cariocas são sempre uma surpresa; nem sempre para o bem, mas naquele dia João estava com sorte. Estava naquela cidade por acaso, nunca tinha pensado em ali estar. Quem lhe deu a ideia foi o menino com quem ficara naquele frio nove de junho, no outono cinza e chuvoso de São Paulo. São Paulo sempre foi a pátria amada, a cidade de braços abertos, a cidade que não para. Parou. O ônibus parou na Rua Barata Ribeiro. Parecia uma afronta andar de ônibus por essa cidade. São Sebastião do Rio de Janeiro foi desenhada para que nela se andasse de bicicleta, só um veículo que não corresse muito e não tivesse paredes e janelas poderia permitir aos olhos encantados enxergar toda a beleza desse lugar, mesmo à noite, o Rio de Janeiro deixava qualquer um de boca aberta.
Seguindo pela Rua Sá Ferreira, João parou novamente na esquina com a Nossa Senhora de Copacabana. A cada esquina, ele se perguntava como pudera viver tanto tempo sem ali vir, sem conhecer aquela cidade. Lembrava-se das queridas ruas de São Paulo; as grandes avenidas da metrópole, a Paulista e seus encantos, a Rua Augusta, a Consolação, a Avenida 23 de maio. Aquele trânsito, aquele frio, aquela poluição... Isso eram visões distantes, difusas. João agora ouvia um samba que tocava num botequim de Copacabana, que se misturava com o som de alguns carros e do mar que ele não via, pela noite, mas ouvia o quebrar das poucas ondas. O mar de Copacabana estava cada vez mais perto dele.
As buzinas e o grito dos estressados e excluídos de São Paulo silenciavam-se ao som do Mar, cada vez mais próximo. A vista da Avenida Atlântica calou João, que não falava muito. Do seu lado, Luiz seguia igualmente calado, igualmente fascinado. O cenário era uma combinação no mínimo curiosa: a imponente arquitetura dos hotéis, os coqueiros da orla, o calçadão de Burle Max, os vendedores de coco, as senhoras vendedoras de cangas... e o mar. Ao atravessar a avenida, João parecia atravessar uma ponte dentro de si, que o levava para outra incerta mas convidativa praia.
O que João escondia no seu silêncio era um forte sentimento por Luiz. Aquilo que começara por acaso, em São Paulo, no Butantã, havia sido levado a cabo na Rua Augusta, num café estrangeiro, pela ausência dos mesmos nacionais. De repente João entendia o sorriso que viera ao seu rosto ao parar e ouvir o samba, minutos atrás, enquanto descia a Sá Ferreira. Tocava ali, naquele botequim, Paulinho da Viola, não o próprio, mas um dos sambas mais conhecidos deste. Tal qual o amor de Paulinho da Viola pela Portela, Luiz era um Rio que passara na vida de João, e o coração deste se deixou levar.
De frente pro mar de Copacabana, sentados no calçadão, João lutava contra sentimentos muito controversos. Um mês e alguns dias haviam passado e o seu sentimento por aquele rapaz ao seu lado só aumentava, mas qualquer passo significava muito, e João, calejado, tinha medo. O que ele nem suspeitava, é que Luiz padecia dos mesmos sentimentos. Dois namoros frustrados em menos de seis meses, o medo deste era grande também. A vontade expressa era contraditória, Luiz tinha vontade de não arriscar mais, queria terminar tudo, sair por aquele calçadão, dar em Ipanema e perder o Rumo. De um lado a outro, aquela curva tão linda de Copacabana, tão bem desenhada, parecia prometer que nada daria errado. O coração saltava e, pra disfarçar a tensão do momento João e Luiz falavam aleatoriamente. Paulistanos, era difícil a eles silenciar diante da imponente paisagem noturna da capital carioca.
As crianças brincavam, turistas e cidadãos passavam ali admirados, cansados, correndo (nunca atrasados, correndo pela saúde, pelo bem estar, isso é Rio, somente em Sampa as pessoas correm pra um trabalho que não suportam). De repente, o mundo respirou um pouco mais lentamente. O corcovado lá atrás não deixava de vigiar aqueles dois e, por um momento, o redentor cruzou os braços esperando uma atitude daqueles dois... algo que pusesse fim àquela angústia.
Uma bossa da bateria, um acorde interrompido de Paulinho da Viola, uma viagem à Madureira, uma subida ao Cristo... quanto tempo será que durou aquele momento? Um desses magníficos momentos que mereciam ser gravados por um bom diretor de cinema e eternizados. Eles estavam no Rio de Janeiro, como diria o Salgueiro: o cenário era perfeito. João, numa atitude de homem, como lhe cabia em seu 1,80m olhou pra Luiz e tomando sua mão pôs pra fora o seu desejo mais íntimo, com medo da reação: “Namora comigo?”
Copacabana era testemunha. O corcovado estava atento. O Rio de Janeiro continuava lindo, mesmo ali, em fevereiro, março... julho. Luiz, seguindo seu ímpeto sincero, e calando o que o angustiava, disse sim. O inverno carioca, que mais parecia um dia de verão, em Sampa, mas sem a angustiante paisagem cinza. Estava calor. A mulata sambava, o malandro cantava: “não posso definir aquele azul, não era do céu, nem era do mar. Foi um rio que passou em minha vida e o meu coração se deixou levar”. Era tempo de amor no Rio de Janeiro.

(Dia 9/01/2013 – 7 meses depois)
Umberto Neto.

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