Um e dois Além dos dias (conto)
Um e Dois além dos dias
“E uma faísca desse amor
Abrasará o coração”
Dois versos que
demonstram o que se passou naqueles dias. Era sete de qualquer mês e estava
planejada na casa de Um uma festa com os amigos, que motivos teria ele para
comemorar? Era o que se perguntava Um a cada dia, ainda assim combinou com seu
companheiro de quarto e também com, na época, seu companheiro de coração uma
festa que poderia preceder um festejo maior na faculdade tão próxima, ou não,
podia enfim converter-se na comemoração principal. Comemoração do quê, mesmo?
A noite chegou
chuvosa, lenta e escura; as bebidas, as luzes, o sentimento. Um era um misto de
amor e ódio, por si e pelo mundo, era o caos. A bebida, o cigarro, o asco, o
ódio, o medo. Que explosão era aquela. E, súbito, a chuva pára. Para alegria de
uns, tristeza de outros, o noite estia convidava os baladeiros a moverem-se
para a comemoração maior, antes programada.
A festa ardia, nos mais variados
sons. Mas Um sabia que estava fora de lugar, deslocado, perguntava-se (teria
feito isso sempre, ao longo da sua vida) se pertencia a esse mundo. A vida lhe
doía, questionava se seria mais feliz se não soubesse nada desse mundo, mas por
curiosidade tinha procurado saber e o pouco que viu, leu e entendeu - nesses anos marcados por escola e
faculdade - fizeram-no sangrar, como a
frase que costumava se lembrar, de um de seus escritores favoritos – sangrava
todos os dias, por ter um coração de carne.
Um nunca fora de ferro, sabia
disso, e naquela noite, sete de mês algum, resistiu bravamente quando certo
amigo cochichou no seu ouvido que um certo alguém – saberia depois que seu nome
era Dois – o desejava. Não tão brava assim foi a resistência, a bebida na mão,
a fumaça que Um acendia, puxava, prendia, passava... a música que tocava
cantava isso? – faziam-no mais fraco do que, na verdade, ele era.
Perguntou-se durante toda a noite
se resistir seria a solução. Perguntou-se durante toda a vida se resistir seria
solução para algo, nesse mundo à parte de si. Deslocado, Um procurou refúgio
junto a um grupo que fazia música, à parte àquela batida que insistia um pop
que quer ser revolucionário, mas que, por vezes, parece insistir nas velhas
formulas... Quantas coisas passaram pela cabeça de Um naquelas horas? Não
saberia dizer... O refúgio de Um foi entregar sua alma a um tamborim. Pop ao
fundo, samba à frente e o caos.
A noite encerrou-se sem mais, o
mundo tem dessas coisas. Mas a vida reservava sua parcela de conforto a Um que
teve uma noite perturbada. O coração batia numa mistura de sons, tal qual fora
a noite anterior. Um não resistiu e num impulso foi atrás de Dois, sem saber
ainda que seria essa sua denominação. O que era o mundo, o que era o amor?
Encontraram-se dois dias depois,
naquele nove do mesmo nenhum mês, aqueles dois, ou seria Um e Dois? Reservados
seus lugares num sábado chuvoso de inverno tropical, Tropical? Talvez, pois o
café que tomaram e a conversa que tiveram aqueceu o coração que, por um
momento, pareceu deixar de sangrar e parecia encontrar no mundo um conforto.
Caminharam lado a lado, depois do café e do primeiro beijo, e dos primeiros
carinhos e das primeiras palavras sobre aquela vida que tinha, sabe Ogum como,
sem que aqueles caminhos tão semelhantes se cruzassem até ali.
Um tinha, como se sabe, alguém
com quem partilhava o coração, mais por ter se acostumado do que, efetivamente,
por sentimentos, desses que se faz dividir qualquer coisa. Um sabia, no
entanto, que havia encontrado, naquele nove invernoso, que se fizera quente,
tropical, o seu complemento. Lado a lado caminhariam. A conversa com o
companheiro fez dele passado –se já não era – e enfim, num 12 de outro algum
mesmo mês os DOIS, fizeram-se um num fazer-se amor... A faísca que parecia
apagar-se com a paz, a maresia que se viu na noite sete abrasava o coração
daqueles que foram queimados por uns, salvos por outros, mas que, acima de
tudo, viram-se ali, jóia um do outro, vida um do outro, porque não?
Deslocados, passaram a sê-lo
juntos e um cuidava do coração de carne do outro. Música, dança, tempero e
sabor, afeto, amparo, carinho e calor, Um e Dois. Ou seriam um só? Uma questão
de afinidade. É a alma quem canta.
Por Umberto Neto
Referência Livre a “Minha Jóia” –
ForFun in: Alegria Compartilhada
(2011).
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